domingo, 7 de setembro de 2014

Ah, Fernando!



“Tenho que escolher o que detesto — ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a ação, que a minha sensibilidade repugna; ou a ação, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.
Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com outra.”


Fernando Pessoa – O Livro do Desassossego

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Sobre pregos e o modo como insistimos em enterrá-los na areia



Então, ela finalmente tinha em sua vida o que mentalizara durante os últimos meses. E não tinha certeza se era isso que realmente queria. Quando idealizou, pensou nos mínimos detalhes, mas percebeu que o fez assim para que perdesse o foco do que verdadeiramente desejava. Era noite de inverno, chovia torrencialmente e ela aproveitava a solidão que partilhavam, mesmo estando no mesmo cômodo porém, entretidos em atividades de interesse particular. Ele assistia televisão, programas esportivos e nunca se cansava de rever as cenas de um jogo que ele já sabia o placar e havia assistido na íntegra. Ela não podia reclamar, relia o mesmo livro e revia os mesmos filmes sempre que necessitava de uma dose de algo que ela já sabia como ia terminar. Eram semelhantes nas suas diferenças, ambos necessitavam afastar o desconhecido. Coisa de insconsciente, Freud deve explicar. Nessa noite ela apenas folheava o livro, não era proposital, ela tentava concentrar-se na leitura, mas seus olhares e sua atenção focavam-se no sofá da sala onde ele estava. Imerso em sua atividade televisiva, mal sabia ele o que se passava na mente dela. Tinha mudado sua maneira de pensar e viver a vida durante os últimos meses, conseguia perceber isso, mas ainda não conseguira avaliar a real intensidade e direção dessa mudança. Julgava que seria influência dele, sempre dele. Ele e sua mania de ver a vida de maneira sempre alegre, de não ver maldade nas pessoas, de confiar em todo mundo. Ela já tinha se deixado contaminar pelas experiências vividas, não conseguia desgrudar-se delas, mas nos últimos tempos havia conseguido melhoras. Estava (re)aprendendo graças a ele o que julgava ter esquecido há alguns relacionamentos atrás. Outra vez a insegurança, sabia que isso necessitaria que ela se entregasse novamente, que deixasse outra vez o destino nas mãos da incerteza, que a intensidade do que viveria seria diretamente proporcional ao quanto ela estaria disposta a sofrer caso tudo terminasse. Ela e sua mania de pensar negativo, de antecipar as perdas. Despertada de seu devaneio por mãos firmes que a conduz a levantar-se e entregar-se aos beijos e abraços apaixonados em que ele lhe envolve. No que estava pensando mesmo? Qual era o motivo de sua insegurança? O sentimento despertado pelas atitudes dele sempre conseguiam encobrir seus pensamentos, deixando sua razão sonolenta. Não estava certa de como terminaria aquilo, mas pensando bem, precisaria terminar? Vale a pena antecipar o que não se pode controlar? 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Ironia pura, como a maioria das coisas nessa vida


“Já estou cheio de me sentir vazio, meu corpo é quente e estou sentindo frio” (RUSSO, Renato)

É só parar pra pensar um instante e conseguiremos identificar as ironias em nossa vida. Aliás, mostre-me o lugar onde ela não exista e eu te mostro o caminho para o pote de ouro no fim do arco-íris. Combinado?

“Liberdade na vida, é ter um amor para se prender” (CARPINEJAR, Fabrício)

Tendo aceitado o fato, o que nos resta? RIR. Isso mesmo. Tirar proveito da situação e rir para evitar as rugas de preocupação que acabamos criando por tentar antecipar situações que muitas vezes nem chegam a ocorrer. As ironias são involuntárias, mas fazem parte da vida. A pessoa pela qual você mais sofreu, foi aquela que te fez feliz na mesma proporção.
Aí escutamos, ou lemos o que as pessoas falam/escrevem sobre o amor... Muitas delas, e algumas até super gabaritadas no assunto nos transmitem que “se é amor, não deveria fazer sofrer”. Admiro quem pense dessa forma, respeito, mas não concordo.
Sofre-se porque sente-se a falta. Sofre-se porque sente-se o vazio. Sofre-se pelo simples (nem tão simples assim) fato de sofrer. Pelo fato de querer sentir novamente o que sabe-se que não voltará. Sofre-se porque criou-se expectativas, pelos planos expostos ao vento, pelos nomes escolhidos para os (futuros) filhos (imaginários) que não serão mais concebidos (se é que um dia seriam). Enfim, sofre-se porque após um rompimento dolorido, o que nos resta é sofrer para que tentemos sentir alguma coisa, pois a dor também anestesia.
Então, se é assim, o que fazer da vida? Confesso que nem eu mesma sei o que fazer com a minha, difícil fazer com que essa pergunta seja respondida. Mas acredito que o segredo está em aproveitar. Correr atrás do que se deseja, conseguir e aproveitar o que se conquistou. Após um tempo a insatisfação voltará e o ciclo será reestabelecido. Batalhar -> Conquistar -> Aproveitar. O velho clichê do “um dia de cada vez”, uma conquista de cada vez. E assim a vida segue, em um determinado momento ela se estabiliza, para no momento seguinte, voltar a desestabilizar.
Tudo isso nada mais é do que a velha história do “estado de insatisfação constante”, e não pensem que isso é algo ruim. Pelo contrário, é o que move nossas vidas. Se vivêssemos satisfeitos, o que nos moveria? Cri... Cri... Cri... Isso mesmo! Não nos moveríamos, pois não haveria motivação (mais uma redundância irônica).

Enfim, pra quê coerência né? Em um texto que inicia com ironia, fala de amor e termina com motivação. Simples! Coerência só serve mesmo para redação de vestibular, ENEM e concursos...

domingo, 26 de janeiro de 2014

100 Coisas para Fazer antes de Morrer


Esse é o título de um livro que deveria ser lido por todas as pessoas. Parece brega e clichê, do tipo livro-de-auto-ajuda-que-muito-promete-e-nada-faz. Mas, não é bem assim. É um livro com relatos de experiências de pessoas que realizaram algum feito em sua vida que as ajudaram a vivê-la de forma mais espontânea e intensa. São feitos grandes e pequenos, depende do ponto de vista de quem os lê, mas que com certeza foram significativos para as pessoas que os realizaram. Ao final do livro encontra-se uma lista em branco numerada de 1 a 100 e destinada ao leitor para que o mesmo inicie a sua "aventura de viver". As histórias lidas servem de inspiração para a confecção da lista, mas o que conta de verdade é a SUA vontade de vivenciar determinadas coisas. Vale a pena conferir!

Livro: 100 Coisas para Fazer [Antes de Morrer]
Autores: Michael Ogden e Chris Day

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014



"Invejo - mas não sei se invejo - aqueles de quem se pode escrever uma biografia, ou que podem escrever a própria.
Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida.
São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer.
Que há-de alguém confessar que valha ou que sirva?
O que nos sucedeu, ou sucedeu a toda a gente ou só a nós; num caso não é novidade, e no outro não é de compreender.
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.
O que confesso não tem importância, pois nada tem importância.
Faço paisagens com o que sinto.
Faço férias das sensações.
Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida.
Minha tia velha fazia paciências durante o infinito do serão.
Estas confissões de sentir são paciências minhas.
Não as interpreto, como quem usasse cartas para saber o destino.
Não as ausculto, porque nas paciências as cartas não têm propriamente valia.
Desenrolo-me como uma meada multicolor, ou faço comigo figuras de cordel, como as que se tecem nas
mãos espetadas e se passam de umas crianças para as outras.
Cuido só de que o polegar não falhe o laço que lhe compete.
Depois viro a mão e a imagem fica diferente.
E recomeço.
Viver é fazer meia com uma intenção dos outros.
Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso.
Croché das coisas... Intervalo... Nada...
De resto, com que posso contar comigo?
Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo...
Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter...
Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a’ um filho vivo... Sim, croché..."


O Livro do Desassossego - Fernando Pessoa

Sem mais. Fernando apenas falando sobre aquilo que eu não teria dito de forma melhor.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Momentos


Há momentos em que tudo o que necessitamos é de alguém que faça tudo exatamente contrário ao que queremos.
Que nos faça rir quando quizermos chorar.
Que nos faça esquecer quando quizermos lembrar.
Que insista em nos levar pra sair, quando quizermos nos trancar em casa.
Que nos alimente, mesmo que não tenhamos fome.
Enfim, que nos faça o melhor, mesmo sendo nós mesmos a querermos o nosso pior.
Quando finalmente estivermos em condições de enxergar as coisas com clareza, agradeceremos a essas pessoas por nos manterem vivas.
Talvez essas pessoas nem precisem dos nossos agradecimentos, e muitas vezes, nem o vamos fazer, porém esse fato não terá importância frente a grandiosidade do laço que se formou.
Essa é a que realmente podemos chamar de amizade verdadeira, não é aquela que faz apenas o que é conveniente para ambas as partes, mas sim aquela que pesa o que é mais importante para a felicidade do próximo, independente de sua vontade e sabendo que o simples fato de atender ou não um desejo deste poderá transformas suas vidas.